Pejotização no STF: o que está em jogo no julgamento que paralisou todas as ações do tema pelo Brasil
Agência BBC

Pejotização no STF: o que está em jogo no julgamento que paralisou todas as ações do tema pelo Brasil

Gilmar Mendes paralisou milhares de processos trabalhistas em todo o país, em meio a uma explosão de casos sobre terceirização e pejotização que chegam ao STF desde a Reforma Trabalhista.

Gilmar Mendes
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Gilmar Mendes suspendeu projetos sobre pejotização no Brasil

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu na segunda-feira (14/4) a tramitação no país de todos os processos que discutem a legalidade da chamada "pejotização".

Esse é o termo usado para se referir a quando empresas contratam prestadores de serviços como pessoa jurídica (PJ), evitando arcar com os encargos trabalhistas ligados à contratação de funcionários por meio de vínculo formal de emprego.

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Na decisão, Mendes argumentou que o STF tem sido sobrecarregado com demandas sobre o tema, porque a Justiça do Trabalho "descumpre sistematicamente" a orientação do Supremo, que, em diversos casos recentes, tem decidido pela legalidade da pejotização.

"Parcela significativa das reclamações em tramitação nesta Corte foram ajuizadas contra decisões da Justiça do Trabalho que, em maior ou menor grau, restringiam a liberdade de organização produtiva", disse o ministro ao justificar sua decisão.

Em 2024, o número de reclamações trabalhistas recebidas pelo STF superou as civis pela primeira vez, somando 42% do total, conforme dados do Corte Aberta, citados em reportagem do portal Jota.

Foram 4.274 ações do tipo, um crescimento de 65% em relação a 2023 (com 2.594 reclamações) e de mais de seis vezes em relação a 2018, ano seguinte à aprovação da Reforma Trabalhista, que ou a permitir a terceirização da atividade principal das empresas.

A decisão de Gilmar Mendes ocorre após o plenário do Supremo reconhecer por maioria (com voto contrário de Edison Fachin) a repercussão geral do assunto — quando o desfecho de um processo serve como parâmetro para todos os casos semelhantes, pacificando o entendimento da Justiça sobre um tema.

Entenda o que está em jogo na decisão que paralisou milhares de processos trabalhistas em todo o país.

O que o STF está julgando

O caso escolhido pelo Supremo para ter repercussão geral foi movido por um franqueado da operadora de seguros Prudential que pediu à Justiça para reconhecer que ele teve um vínculo de emprego com a empresa.

Um franqueado é um empresário que istra um negócio ligado a uma marca já estabelecida pagando pelo direito de fazer isso. No caso da Prudential, o empreendedor atua na prática como um corretor de seguros.

A Justiça do Trabalho negou o pedido, e o trabalhador entrou com um recurso extraordinário no Supremo.

Ao julgar o caso como de interesse geral, o STF deve decidir três questões, para além da validade ou não desse contrato:

  • A competência da Justiça do Trabalho para decidir sobre esse tipo de relação de trabalho;
  • Se a terceirização ou pejotização é uma prática legal;
  • E se é o trabalhador ou o contratante que tem a obrigação de provar que o contrato questionado na Justiça caracteriza uma fraude.

Embora o caso concreto discuta contratos de franquia, Gilmar Mendes deixou claro que a discussão não estará limitada apenas a esse tipo de contratação.

Segundo o relator, "é fundamental abordar a controvérsia de maneira ampla, considerando todas as modalidades de contratação civil/comercial", frisou ele, no reconhecimento da repercussão geral.

O que o STF já decidiu sobre o assunto

Até 2017, prevalecia o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de que era permitida a terceirização de atividades-meio (aquelas não ligadas ao objetivo principal de uma empresa), mas não da atividade-fim de um negócio.

Por exemplo, uma fábrica de sapatos poderia terceirizar a segurança e a limpeza da fábrica, mas não a fabricação de sapatos em si.

A Reforma Trabalhista de 2017, porém, legalizou a terceirização de toda e qualquer atividade.

No ano seguinte à aprovação da lei, um novo entendimento foi consolidado pelo STF, que decidiu então que a terceirização era possível de forma ampla e irrestrita – sem fazer diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim.

Em 2022, o STF decidiu pela primeira vez pela legalidade da pejotização, num caso envolvendo a contratação de médicos como pessoa jurídica por um hospital de Salvador (BA).

Médicas em hospital
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Pejotização é prática comum na medicina no Brasil

A diferença é que, na terceirização clássica (tema da decisão de 2018), há uma empresa intermediária entre contratante e trabalhador.

Já na pejotização, o vínculo entre as partes é direto, com o trabalhador constituindo empresa (como Microempreendedor Individual, por exemplo) para prestar serviço ao empregador – o que a Primeira Turma do STF entendeu que é legal na decisão de 2022.

Ao longo dos anos seguintes, as duas turmas do STF tomaram decisões diversas reiterando a legalidade da terceirização via pejotização, e com placares cada vez mais favoráveis à tese, lembra o advogado trabalhista e professor de pós-graduação do Insper, Ricardo Calcini.

Por que Gilmar tomou a decisão de suspender processos agora

Apesar das reiteradas decisões do STF, a Justiça do Trabalho seguiu tomando decisões em que reconheceu o vínculo de emprego em casos de pejotização considerados fraudulentos.

E como o Supremo ou a aceitar reclamações com relação ao tema, as empresas, em vez de discutirem a questão no âmbito da Justiça do Trabalho, aram a recorrer diretamente ao STF.

Isso inundou o Supremo de reclamações constitucionais de natureza trabalhista, fazendo da Corte uma instância revisora da Justiça do Trabalho, observa Calcini.

Em meados de 2024, com as reclamações trabalhistas superando as ações civis no STF, Gilmar Mendes começou em seu gabinete a se recusar a julgar esses casos, alegando que não era competência do tribunal fazer isso e devolvendo-os à Justiça comum — ora sendo vencedor, ora vencido nas votações da Segunda Turma do STF a respeito.

Calcini avalia que o STF já poderia ter decidido antes pela repercussão geral do tema, mas, na sua avaliação, o que mudou agora é que o TST estava prestes a decidir sobre a legalidade da pejotização de forma vinculante — ou seja, todos os tribunais e juízes do trabalho teriam que seguir a posição em casos semelhantes.

Assim, os ministros do STF podem ter antecipado a discussão, imaginando que a decisão do TST pudesse ser contrária à opinião do Supremo sobre a pejotização.

Isso paralisou a discussão no TST e no país inteiro, e o STF terá a palavra final.

Como a decisão afeta os casos na Justiça

"Para tudo", resume o professor do Insper.

"Todos os processos que discutam essa relação de vínculo de emprego via pejotização, nessa temática da terceirização, ele [Gilmar Mendes] mandou parar, sem diferenciar instâncias."

Prédio do STF
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Decisão do STF afeta todos os processos do tipo no Brasil

Em 2025, só até fevereiro, foram ajuizados 53.678 novos casos envolvendo reconhecimento de relação de emprego, o que coloca o tema em 15º lugar no ranking dos que mais levam as pessoas à Justiça do Trabalho, segundo estatísticas do TST.

No ano inteiro de 2024, foram 285.055 novos casos, um crescimento de 89% em relação a 2018, quando foram registrados 150.500 processos, e o tema era apenas o 25º no ranking dos assuntos mais recorrentes.

Como isso se relaciona com a Reforma Trabalhista

O crescimento do número de casos coincide com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista de 2017, que ou a permitir a terceirização da atividade-fim das empresas.

"Quando a reforma permite a terceirização, existia a dúvida se essa permissão trazida pela lei seria considerada lícita ou não, à luz do entendimento que existia até então", lembra Calcini.

Em 2018, quando o Supremo chancelou a terceirização irrestrita, a lei ganhou um "sinal verde", avalia o advogado.

A partir daquele momento, as empresas, por uma questão financeira — para reduzir custos como o pagamento de plano de saúde, vale-refeição, vale-transporte, participação nos lucros, dentre outros ligados ao emprego formal, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) —, am a adotar com mais frequência a pejotização de seus colaboradores.

"O número de ações cresce por conta disso, as empresas mudam a forma de contratação, e muitas pessoas am a judicializar esse tipo de discussão", diz Calcini.

O advogado lembra que a pejotização hoje envolve desde trabalhadores altamente qualificados, com ensino superior e altos salários — como empresários, médicos, advogados e outros profissionais liberais —, até pessoas que ganham um salário mínimo.

O que esperar a partir de agora

Calcini avalia que, com a paralisação dos processos em âmbito nacional, deve haver uma mobilização institucional — por parte da Justiça trabalhista, de entidades de classe, das associações patronais e da própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) — para que o STF julgue o caso rapidamente.

No entanto, ele observa que, pelo histórico de outras decisões do Supremo com repercussão geral na área trabalhista, é improvável que isso aconteça ainda este ano, o que jogaria a questão para 2026.

Além disso, avalia Calcini, as empresas devem ver a decisão de Gilmar Mendes como um sinal de que o Supremo provavelmente vai reconhecer a legalidade da pejotização, o que pode acelerar esse tipo de contratação.

Quando o STF tomar sua decisão, o impacto da medida vai depender do que for decidido e se haverá modulação da decisão.

Por exemplo, se o reconhecimento da legalidade da pejotização a a valer somente para novos casos, ou se retroaje, englobando também casos em tramitação ou até mesmo já decididos.

"Estamos em uma situação de muita imprevisibilidade", diz Calcini.

"Acredito que o Supremo, ao tentar resolver um problema que é o número excessivo de reclamações que ele decide, prejudicou todo o sistema, que é muito maior do que o Supremo, com todo o respeito à Corte", opina o advogado trabalhista.

"Isso paralisa o trabalho de todo mundo, do Judiciário e da advocacia. E quem é o principal prejudicado é a parte [empresas e trabalhadores], então o impacto é realmente enorme."

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