Saiba o que é deepfake, técnica de inteligência artificial que foi apropriada para produzir desinformação 4d385w

Este conteúdo foi originalmente publicado no site do Projeto Comprova, do qual O POVO faz parte

Comprova Explica: Usada inicialmente para a produção de vídeos humorísticos, a técnica conhecida como deepfake tem ganhado cada vez mais espaço entre os produtores de desinformação. No período eleitoral de 2022, vídeos vêm sendo manipulados e seus conteúdos distorcidos a partir dessa prática, que usa inteligência artificial para copiar vozes e rostos. Por meio da tecnologia é possível produzir vídeos realistas em que pessoas aparecem fazendo e falando coisas que nunca fizeram ou disseram. Segundo especialistas, neste contexto é fundamental que o público esteja atento para não ser enganado.

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Conteúdos possivelmente editados com técnica de deepfake envolvendo a manipulação de resultados de pesquisas de intenção de voto nas eleições de 2022 e informações sobre presidenciáveis. Em um deles, o âncora do Jornal Nacional, William Bonner, supostamente se refere ao ex-presidente e candidato Lula (PT) e a seu candidato a vice, Geraldo Alckmin (PSB), como “bandidos” – o que foi desmentido pelo Comprova.

Outros dois episódios recentes de edição de vídeo com o intuito de desinformar envolveram o telejornal e as eleições. No dia 19 de setembro, o JN denunciou a prática de deepfake ao se manifestar sobre um conteúdo falso, em que os apresentadores do noticiário, William Bonner e Renata Vasconcellos, supostamente anunciam que o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) estaria à frente nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência. Na verdade, o Ipec apontou Lula como o candidato preferido dos eleitores – informação divulgada pelo JN no vídeo original e que foi editada, como mostrou o Comprova.

Uma montagem semelhante foi feita no mês anterior, envolvendo o mesmo telejornal e o mesmo instituto de pesquisa. Apesar de ambos os episódios também terem sido associados aos deepfakes, os conteúdos usavam técnicas de edição menos sofisticadas, classificadas como shallowfakes, conforme explica o jornalista Bruno Sartori – um dos pioneiros na criação de sátiras por meio de deepfake no Brasil.

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O termo deepfake denomina uma técnica que consiste na criação de conteúdos sintéticos (não reais), que podem ser áudios e imagens, produzidos com auxílio de inteligência artificial (IA). Na prática, são mídias artificiais geradas a partir de uma grande quantidade de arquivos reais de determinada pessoa e com uso de um algoritmo de aprendizado de máquina (machine learning). Especialistas ouvidos pelo Comprova listam nuances que envolvem essa prática, como ela pode contribuir para forjar um cenário confuso sobre o que entendemos por realidade e quais os caminhos para lidarmos com essas distorções aperfeiçoadas pela tecnologia na era da desinformação.

Além disso, serão apresentados exemplos de outros tipos de edição, como o shallowfake, que também se trata de um conteúdo manipulado, mas que não utiliza inteligência artificial no processo de criação. Em inglês “deep” refere-se a algo “profundo”, enquanto “shallow” refere-se ao que é “raso”. Portanto, o deepfake corresponde a uma técnica mais sofisticada, enquanto o shallowfake trata-se de uma técnica superficial. Geralmente, o shallowfake consiste numa edição simples, na qual um vídeo ou áudio é tirado de contexto.

Há consenso entre os entrevistados que o caminho para driblar deepfakes criados com o intuito de causar prejuízo a muito mais pelo olhar atento ao conteúdo do que por uma análise técnica do material suspeito. Os rastros que eventualmente denunciam a manipulação dos vídeos estão cada vez mais sutis e, portanto, podem ar despercebidos, especialmente para o público leigo. Por isso, o texto também tratará do papel da educação e do desenvolvimento da ‘arte da suspeita’, ou seja, da importância de desconfiar e checar as mensagens recebidas antes de tomá-las como verdade.

O que são deepfakes? 1o722j

O deepfake ocorre quando a inteligência artificial (IA) funde, combina, substitui ou sobrepõe áudios e imagens para criar arquivos falsos em que pessoas podem ser colocadas em qualquer situação, dizendo frases nunca ditas ou assumindo atitudes jamais tomadas. O conteúdo pode ser de caráter humorístico, político ou mesmo pornográfico. São inúmeras as possibilidades: troca de rostos, clonagem de voz, sincronização labial a uma faixa de áudio diferente da original, entre outras. A técnica comumente distorce a percepção a respeito de um indivíduo em uma determinada situação.

Para criar esse tipo de material, é preciso ter o a arquivos verdadeiros — fotos, vídeos ou áudios — da pessoa-alvo da manipulação, que servem para alimentar o sistema da inteligência artificial. Quanto mais material à disposição, maior é a chance de um bom resultado. Isso ocorre porque a inteligência artificial aprende com o conteúdo-modelo fornecido e, com isso, consegue reproduzir padrões, como movimentos, expressões, vozes e outras características do indivíduo.

Como o próprio termo ‘fake’ sugere, o deepfake é feito para enganar. As técnicas de inteligência artificial fazem com que o vídeo pareça ‘perfeito’, como se fosse um registro fidedigno, conforme observa a professora titular na pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP Lúcia Santaella.

“O tipo mais divulgado de deepfake é quando a inteligência artificial consegue registrar todos os músculos faciais quando uma pessoa fala, e aí transporta esse registro para a face de uma outra pessoa como se ela estivesse falando o que ela nunca falou”, diz. “Por que engana? Porque está fingindo que aquilo é real. E não é real. É uma fantasia, mas que se faz ar por uma coisa que de fato aconteceu”, completa.

Embora o objetivo do uso dessa técnica seja variado, podendo servir, inclusive, a fins culturais, o termo tem se popularizado nas redes sociais por ser usado para a produção de conteúdos enganosos ou maliciosos, com o intuito de desinformar. Um dos exemplos de prejuízo causado pelo mau uso de deepfake foi denunciado em uma reportagem da rede britânica BBC, que destaca um relatório da empresa Sensity mostrando que nudes falsos de mais de 100 mil mulheres estavam sendo compartilhados na internet com uso da tecnologia deepfake bot. No caso, as roupas das mulheres eram removidas digitalmente com o uso de inteligência artificial.

Em outro caso, em agosto deste ano, o Comprova mostrou ser falso um vídeo publicado no TikTok que se utilizava da técnica. Nele, o âncora do Jornal Nacional, William Bonner, supostamente chama de “bandidos” o ex-presidente Lula e seu candidato a vice Geraldo Alckmin. Neste caso, foi utilizada uma técnica chamada Text to Speech (TTS), capaz de gerar áudios sinteticamente a partir de um conteúdo em texto e que utilizou um banco de dados com dezenas de áudios de Bonner, segundo informou Sartori ao Comprova à época da checagem. As técnicas TTS para criação de áudios, inclusive, já estão disponíveis para o grande público em sites gratuitos na internet, como foi o caso do vídeo analisado pelo Comprova.

Mas há deepfakes criados justamente para ajudar no combate à desinformação. Um exemplo foi feito pelo ator e diretor de cinema norte-americano Jordan Peele, no qual o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama aparece disseminando informações enganosas. No meio do vídeo, Peele revela que a produção se trata de um deepfake. Para criar o conteúdo, ele utilizou recursos da ferramenta com objetivo de denunciar notícias falsas compartilhadas em 2018.

Já o perfil @deeptomcruise, no TikTok, criado pelo especialista de efeitos visuais Chris Ume, dedica-se a produzir vídeos com deepfakes bastante realistas do ator estadunidense Tom Cruise. As cenas postadas no perfil são feitas pelo ator Miles Fisher e usam um tom humorístico para demonstrar a técnica. Somente no TikTok, o perfil conta com 3,6 milhões de seguidores e 14,1 milhões de curtidas.

Origem do termo 2h6e6a

Professor do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Anderson de Rezende Rocha explica que, originalmente, o termo deepfake dizia respeito ao “nome de um usuário que se autodenominava deepfake e postou um primeiro software baseado em técnicas de machine learning (aprendizado de máquina) que conseguia sintetizar uma face de um indivíduo no lugar de outra pessoa”. Isso era feito a partir de um banco de dados recheado de fotos.

Com o tempo, acrescenta o professor, houve uma assimilação do termo, que ou a designar uma técnica que gera algum tipo de falsificação “a partir de uma grande quantidade de fotos, vídeos ou arquivos de áudio de uma determinada pessoa a partir de um algoritmo de aprendizado de máquina”.

Segundo Rocha, esse recurso funciona por meio de muitas camadas, parâmetros e opções de escolha, que são aprendidos num processo de treinamento a partir de um grande volume de dados da pessoa-alvo, que servem de exemplo.

“Como esse tipo de algoritmo tem muitas camadas, dizemos que esse é um algoritmo do tipo ‘deep’ (profundo) e, hoje em dia, a gente se refere às técnicas deepfakes como essas técnicas que geram esse tipo de falsificação de imagens e áudios e que usam essas camadas em grande profundidade”, conclui o especialista, pontuando a diferença em relação à chamada ‘shallowfake’, uma falsificação menos sofisticada, com poucas camadas e parâmetros.

Professor associado na Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador na área de aprendizado de máquina, Moacir Antonelli Ponti destaca ainda que a origem técnica do termo remete ao fato de que os algoritmos usados para geração de conteúdo nesse contexto “pertencem a um conjunto de métodos chamados de ‘deep learning’ (aprendizagem profunda). Como o conteúdo é ‘fake’ (falso), cunhou-se o nome deepfake, a partir da junção dos dois termos”.

No Brasil, o deepfake ganhou popularidade a partir de aplicativos e de conteúdos criados por Bruno Sartori, jornalista, humorista e influenciador digital, considerado um dos pioneiros na criação de sátiras utilizando a técnica. Ele conta que, em dezembro de 2017, poucos dias após o código-fonte ter sido disponibilizado em um fórum do Reddit (rede social que agrega fóruns de variados temas), acabou conhecendo a tecnologia e quis acrescentá-la a seus trabalhos.

“Visualmente, você via que era montagem, mas dava um efeito muito legal. E comecei a aprender. Fiz um vídeo que viralizou em maio de 2018, que era o Bolsonaro de Chapolin Colorado. A partir dali, fui percebendo que muita gente acreditava que era [Bolsonaro], por mais absurdo que pareça, porque a pessoa estava vendo o Bolsonaro, não tinha como não ser ele. Eu fui percebendo que as pessoas acreditavam neste tipo de conteúdo. Então, acho que o primeiro contato do público brasileiro [com deepfake] foi através dos meus vídeos. E logo a popularização se deu quando os celulares aram a oferecer aplicativos que faziam isso”, contextualiza Sartori.

Diferença em relação a edições comuns 545z3z

Enquanto o processo de criação de deepfakes utiliza uma base de dados para servir de modelo à inteligência artificial, edições comuns de peças audiovisuais são feitas a partir de ferramentas computacionais que não exigem esses dados.

Durante as eleições dos Estados Unidos em 2020, por exemplo, o então presidente Donald Trump compartilhou vídeos manipulados em mais de uma ocasião para atacar seu principal adversário, o democrata Joe Biden. Conforme a Agência Pública, em março daquele ano, Trump publicou um vídeo do candidato democrata no qual ele aparentava apoiar a sua reeleição. A reportagem cita que, apesar de ser um vídeo editado, não chega a ser um deepfake por não utilizar inteligência artificial no processo de criação. O material, contudo, foi suficiente para confundir eleitores.

O mesmo ocorreu com um vídeo checado recentemente pelo Comprova, que foi manipulado para mostrar Bolsonaro à frente de Lula em uma pesquisa do Ipec. Na edição de 12 de setembro, o Jornal Nacional divulgou o resultado real, que indica o oposto do que sugere o vídeo adulterado. Ao se posicionar sobre a montagem, o programa chegou a associar o conteúdo manipulado a um deepfake. No entanto, conforme explica Bruno Sartori, a peça de desinformação não se enquadra nessa classificação.

O jornalista explica que, mesmo antes de dezembro de 2017, este tipo de edição já era feito. No caso do vídeo analisado, compartilhado no TikTok, Sartori afirma que foi feita uma edição simples de computador, na qual ocorre um corte no início e no fim do áudio, em que o trecho, por mais que seja verídico, é trocado de lugar. Essa prática, garante, já era utilizada antes do surgimento do deepfake.

“Quando é deepfake, se usa uma técnica de síntese de mídia digital, você cria uma mídia digital com inteligência artificial, uma mídia sintética. Então, precisa dessa inteligência artificial para fabricar essa mídia sintética. Além disso, não é qualquer pessoa que faz um deepfake. Não basta editar um vídeo e tirá-lo de contexto para ser um deepfake. Isso, na verdade, é um shallowfake, que são vídeos tirados do contexto por material tanto auditivo quanto visual”, compara Sartori.

Professor da USP, Ponti complementa, explicando que, num deepfake, são usados áudios e imagens reais de uma pessoa a ser imitada. Já numa produção comum, a edição é feita com a ajuda de alguma ferramenta computacional que não usa esses dados.

“No caso do deepfake, quanto mais essa pessoa tiver conteúdo disponível publicamente, mais dados o algoritmo terá para produzir conteúdo realista. Por exemplo, um jornalista ou repórter de TV aberta, um ator, um político, todos têm sua imagem, vídeo e voz disponíveis amplamente. Assim, quanto mais pública é a personalidade, maior será a qualidade do deepfake”, explica.

Deepfake na política 3v582g

No Brasil, conforme cita Sartori, não há casos de seu conhecimento em que a tecnologia tenha sido usada em campanhas eleitorais anteriores ao pleito de 2022. Em 2018, segundo ele, os equipamentos não eram tão potentes e poucos profissionais tinham conhecimento da prática. O jornalista diz que, à época, já alertava em seus vídeos que a ferramenta poderia vir a ser utilizada nas eleições deste ano.

Atualmente, o uso da tecnologia ainda é tímido, mas tem ganhado força, principalmente por causa dos aplicativos que possibilitam a criação deste tipo de conteúdo. Sartori acredita que, daqui a quatro anos, nas próximas eleições, a técnica terá sido aperfeiçoada, com possibilidade de ser largamente explorada em campanhas eleitorais.

“Hoje, não utilizam tanto por um fator: a mentira contada de uma forma simples tem o mesmo efeito de um deepfake. [O shallowfake] é editado facilmente, coisa de dois minutos faz um vídeo desses, e se tem um estrago enorme. Para fazer isso em deepfake, se leva muito tempo, é caro e precisa de um profissional. Então, por que utilizar uma bazuca se um estilingue está dando certo">Checado por:Estadão, Folha, Piauí, CBN Cuiabá, A Gazeta, SBT, Correio Braziliense, O Popular, Band News, Correio e O Dia.

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