100 anos de Paulo Bonavides, o incansável defensor da participação popular na democracia

100 anos de Paulo Bonavides, o incansável defensor da participação popular na democracia

Sobrevive ao tempo um dos maiores constitucionalistas do Nordeste, do Brasil e do mundo, cuja trajetória ou pelo O POVO, pela UFC e foi marcada por reconhecimentos e lutas

Natural de Patos, na Paraíba, Paulo Bonavides, nascido em 10 de maio de 1925, foi o décimo terceiro filho dos telegrafistas Fenelon Bonavides e de Hermínia Fernandes Bonavides. Em 2025, o jurista, falecido em 30 de outubro de 2020, completaria, caso vivo, 100 anos. Ee foi um dos maiores constitucionalistas do país, também jornalista, professor universitário e escritor.

Ainda criança, presenciou a perda de seu pai, vitimado pela febre tifoide. A partir daí, iniciou-se um novo momento em sua vida, que apontou para a vinda a Fortaleza, onde iniciou os estudos no Liceu do Ceará.

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Nos estudos, uma curiosidade: o menino recém chegado à capital cearense só poderia ser matriculado caso tivesse, à época, 11 anos. Ele tinha apenas nove. No Interior, um cartório o fez “gêmeo” do irmão Aluísio, nascido em 7 de maio de 1923, como trouxe o texto de Valdélio Muniz, em edição do O POVO de 26 de abril de 2005. Com a idade “certa” para conseguir concorrer a uma vaga, ele se encarregou de ser aprovado entre as primeiras colocações no processo seletivo.

Seu caminho na área jurídica ou a ser trilhado em 1943, quando ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Em 1977, o jurista, que formou gerações ao lecionar por mais de três décadas na UFC, recebeu o título de cidadão cearense da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece).

Christiane do Vale Leitão, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Ceará (OAB-CE), descreve Paulo Bonavides como “um grande profissional e um exemplar ser humano que marcou a história do direito cearense e brasileiro”.

“É considerado um dos maiores constitucionalistas do Nordeste, do Brasil e do mundo. Além de um importante defensor da democracia, dos direitos e das garantias fundamentais, pautas centrais da OAB, era um homem de ideias e de lutas”, relembra Christiane, primeira mulher a presidir a OAB-CE em 92 anos de fundação da entidade.

A presidente completa: “Falar sobre a Constituição é, sem dúvidas, relembrar o nosso querido professor Paulo e muito me honra ter tido a oportunidade de participar de eventos, debates e encontros ao lado desse grande jurista”.

De grande vitalidade intelectual, Paulo mantinha contato com juristas do mundo todo, participava ativamente de congressos, encontros internacionais e simpósios, além de ter recebido inúmeras homenagens em países da Europa, América Latina e também nos Estados Unidos. Ele ainda organizava a Revista Latino-Americana de Direito Constitucional.

Defensor incansável da participação popular na democracia do país, ele desempenhou papel importante para salvaguardar a integridade do estatuto político do Brasil. Em seu legado, deixou uma extensa bibliografia jurídico-política brasileira.

Contribuição que ultraa o curso de Direito

“A contribuição do professor Paulo Bonavides ultraa o curso de Direito”, é assim que Geovana Cartaxo, professora da UFC e coordenadora do curso de Direito descreve a participação de Paulo Bonavides na instituição.

“Sua genialidade, produção acadêmica, capacidade de difundir suas teorias sobre o Constitucionalismo, a Ciência Política, o pós-positivismo, os valores democráticos fizeram reverberar suas teorias em diversas Universidades no mundo”, ela relembra.

Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ela continua: “Suas obras são discutidas e estudadas como referência principal na Ciência Política e no Constitucionalismo, sendo reverenciado nas principais Faculdades de Direito do mundo ocidental. Dr. Paulo foi um dos pilares da própria fundação da UFC”.

Sua simbologia é tamanha, que o prédio principal da Faculdade de Direito, o mais antigo, que apresenta linhas arquitetônicas clássicas e ecléticas, inaugurado em 1938, foi nomeado Paulo Bonavides pelo ex-reitor Cândido Albuquerque. Em sua homenagem, foi criada também a Fundação Paulo Bonavides para dar continuidade e conservar sua memória e obra.

“Essa iniciativa nasceu de uma proposta da Comissão de Patrimônio Histórico da Faculdade de Direito, criada pelo então diretor Maurício Benevides, no intuito de preservar e refletir sobre a memória da Faculdade. É muito pouco diante da grandeza e importância da sua vida e de suas contribuições para a Ciência Jurídica”, diz a coordenadora.

Para Geovana Cartaxo, o jurista e professor foi um “mestre em todos os sentidos, por suas aulas, escritos e exemplo de simplicidade, descontração e compromisso com a democracia e pela ousadia em abrir caminhos e indicar novos horizontes para várias gerações de juristas”.

Em acordo, Christiane Leitão destaca Paulo como “símbolo de intelectualidade e resistência". “Deixou um legado de compromisso com o Estado de Direito, com a Constituição e com a formação de juristas que defendem os valores democráticos. Sua obra e atuação inspiram gerações e são um exemplo de como o direito pode contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e democrática”.

O jurista sobrevive ao tempo, eternizado por seus escritos que “tinham uma repercussão muito grande, tanto pela riqueza técnica e acadêmica, como pelo valor jurídico e político que ele mesmo representava”, destaca a presidente.

Um vigilante atento à Constituição

Vigilante, o jurista mantinha-se atento ao cumprimento da Legislação. Em 2001, Paulo Bonavides e outros quatro renomados juristas, Celso Antônio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato e Goffredo da Silva Telles Júnior, denunciaram o então presidente Fernando Henrique Cardoso por crime de responsabilidade, à época, por ele ter impedido a abertura de “I da Corrupção”.

A denúncia foi arquivada pela Câmara dos Deputados, mas Bonavides e os demais juristas deixaram registrado na história esse momento como um protesto cívico. Antes desse episódio, ele teve participação no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

Em 1992, quando a Câmara autorizou e o Senado Federal julgou, pela primeira vez na história do Brasil, um presidente da República por crime de responsabilidade, Paulo Bonavides emitiu um parecer, anexado ao processo de impeachment, intitulado “O Processo por Crime de Responsabilidade do Presidente da República”, atuando em prol da agenda política do País.

A ação foi realizada a pedido do então presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcello Lavenére, auxiliando a OAB nesse embate na vida política e jurídica do Brasil.

“Foram dois fatos históricos que ratificam o compromisso que o professor Paulo tinha muito forte, não só com o Estado Democrático de Direito, mas, principalmente, pela defesa da Constituição, da moralidade, da eficiência dentro da istração pública”, ressalta a presidente da OAB-CE.

“Um guardião dos valores constitucionais que reafirmava que a verdadeira grandeza de um constitucionalista se mede não apenas por seus livros ou relevância acadêmica, mas por sua disposição de agir em proteção ao texto constitucional”, complementa.

Christiane Leitão destaca, ainda, que, no processo de redemocratização, em 1985, Bonavides foi membro da Comissão de Estudos Constitucionais, a chamada “Comissão dos Notáveis”, criada para elaborar um projeto de Constituição para o Brasil, que daria origem à Constituição Cidadã de 1988.

“Na década de 1990, fez parte da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB. A sua defesa da democracia participativa e a análise crítica do regime militar brasileiro eram sempre muito evidentes. Como professor de sociologia e também jornalista, os seus os eram sempre guiados pela exposição teórica, mas sempre com um olhar para sensibilizar, compartilhar conhecimento e produzir legitimidade das ideias”, finaliza.

No O POVO aos 13 anos

A trajetória de Paulo Bonavides também a pelo O POVO, quando chegou aos 13 anos após vencer concurso para repórter, em 1938. No jornal, além de colaborador, foi fonte e membro do Conselho Editorial. Seu ingresso foi por meio de seleção comandada pelo então redator-chefe, Paulo Sarasate Ferreira Lopes e pelo fundador e então diretor do O POVO, Demócrito Rocha.

O mais cearense dos paraibanos, começou cedo no jornalismo. Após ingressar no O POVO, em 1985 assumiu como membro do Conselho Editorial. Antes, na década de 40, chegou a atuar como correspondente do jornal direto dos Estados Unidos.

Foi em 1944, no começo de uma carreira que viria a ser bem-sucedida, que Paulo ou a atuar como correspondente do O POVO, ao ser escolhido para do grupo Nieman Fellows, a convite da Nieman Fundation, nos Estados Unidos. Levado à Universidade de Harvard, escreveu cerca de 70 artigos para O POVO, que também foram reproduzidos no jornal paraibano A União.

Seus escritos foram destaque, para além do âmbito jornalístico. Em 1969, Paulo Bonavides foi eleito pela Academia Cearense de Letras (ACL) para a cadeira de número 17, cujo patrono é Joaquim Catunda, como trouxe a edição de O POVO de 11 de fevereiro do mesmo ano.

Foi autor de diversas obras, especialmente no campo do Direito Constitucional e da Ciência Política, como “Política e Constituição - Os caminhos da democracia (1985)”, “A crise política brasileira (1978, 2ª edição)”, “Os Poderes Desarmados - À Margem da Ciência Política, do Direito Constitucional e da História (2002)”, entre tantas outras.

Uma personalidade reconhecida

Muitas foram as homenagens ao célebre jurista. Ao revisitar a sua história, em 1982, aparece a Medalha da Abolição, a mais alta condecoração do Estado do Ceará, honraria que recebeu no mesmo ano em que se tornou professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. A comenda, instituída em 1963, reconhece o trabalho expressivo de brasileiros para o Ceará ou para o Brasil.

Já em 1996, recebeu a Medalha Rui Barbosa, a máxima condecoração da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em homenagem ao advogado, jurista, escritor e político Ruy Barbosa, é concedida a figuras que têm destaque por sua atuação na advocacia e na defesa dos valores democráticos.

Reconhecido como Doutor Honoris Causa da Universidade de Lisboa em 1998, título atribuído a personalidades estrangeiras, nacionais e eminentes, que tenham se destacado na atividade acadêmica, científica, profissional, cultural, artística, cívica ou política, bem como por ter prestado altos serviços à Universidade, ao País ou à humanidade, como informa a instituição.

Em 2002, recebeu também a mais alta comenda da Paraíba, a Medalha Epitácio Pessoa, que homenageia personalidades pelos relevantes serviços prestados.

Como forma de reconhecer “a propagação de seu importante legado, bem como homenageá-lo em seu centenário”, a OAB Ceará está apoiando o lançamento do documentário “Paulo Bonavides - A ciência da democracia”, dirigido por Wolney Oliveira e Margarita Hernandez, que será no próximo dia 15 de maio, às 19h, na sede da OAB-CE.

 

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