No pós-Lula, será a vez de Ciro Gomes? Confira análise

No pós-Lula, será a vez de Ciro Gomes? Confira análise

Ciro Gomes se afastou da esquerda e perdeu espaço. Com o fim da Era Lula, caso não tivesse se aproximado da direita, poderia ter sido o nome natural no campo progressista. Ainda há tempo para retomar?

Com a inevitável aposentadoria de Luiz Inácio Lula da Silva das disputas presidenciais — prevista para depois de 2026, quando completará 81 anos — o campo progressista brasileiro enfrentará o desafio de encontrar um novo nome de peso nacional. A grande pergunta é: Ciro Gomes poderia ser esse nome? Mesmo sem estar no PT, ele teria força para herdar parte significativa do eleitorado lulista, desde que mantivesse uma postura à esquerda e evitasse a ruptura com o legado petista?

Ciro já esteve entre os quadros mais promissores da política brasileira. Ex-ministro, ex-governador, ex-prefeito e ex-deputado, com sólida formação técnica e forte discurso desenvolvimentista, por anos se destacou como uma esquerda mais moderada, menos ligado a pautas identitárias, mas com forte discurso trabalhista. Seu projeto presidencial tinha lastro em ideias, experiência e ambição de transformar estruturalmente o país. Mas as eleições de 2018 e 2022 marcaram um ponto de inflexão que alterou completamente seu destino político.

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Ao romper com o PT de maneira frontal, Ciro ou a canalizar parte do antipetismo em seu discurso, ao mesmo tempo em que se posicionava contra a extrema direita. O resultado foi o isolamento político. Perdeu apoio do eleitorado lulista, especialmente no Nordeste, e não conseguiu atrair de forma consistente os votos da direita moderada, que migraram majoritariamente para Bolsonaro.

O custo dessa estratégia foi alto. Ciro se afastou do perfil de herdeiro natural de Lula no campo da esquerda. Essa ruptura ficou ainda mais evidente quando, no segundo turno de 2022, recusou-se a apoiar Lula contra Bolsonaro, sendo interpretado por muitos como alguém tomado pela mágoa da eleição anterior. A postura foi vista como um erro político grave, que comprometeu ainda mais sua relação com setores populares e com o eleitorado progressista.

No Nordeste, o segundo maior colégio eleitoral do Brasil e bastião histórico do lulismo, a votação de Lula nas últimas eleições chegou a 70% em média. Esse eleitorado valoriza políticas sociais, programas de assistência e uma visão de governo voltada às classes mais baixas. Ciro, que já foi símbolo dessa agenda, ou a ser visto com desconfiança justamente por ter adotado um discurso cada vez mais duro contra o partido e a figura que esse eleitorado mais ira.

Mesmo em seu reduto político, o Ceará, os efeitos se fizeram sentir. Em Fortaleza, nas eleições municipais de 2024, o ex-prefeito José Sarto (PDT), apoiado por Ciro, foi derrotado ainda no primeiro turno. E boa parte de seus eleitores acabou migrando para o candidato petista, o atual prefeito Evandro Leitão (PT), no segundo. Foi mais um sinal de que sua estratégia de confronto não estava surtindo o efeito desejado nem mesmo em casa.

A aproximação do grupo político de Ciro Gomes com figuras alinhadas ao bolsonarismo no Ceará, como o deputado federal André Fernandes e seu pai Alcides Fernandes - ambos do PL -, gerou perplexidade. Embora essa aliança possa ser interpretada como uma tentativa de ampliar sua base em um cenário estadual cada vez mais fragmentado, ela colide diretamente com a imagem de Ciro como representante histórico do campo progressista.

A essa altura, é possível dizer que Ciro poderia ter sido o nome mais forte da esquerda após Lula, superando inclusive eventuais nomes do PT. Isso, claro, se tivesse mantido um discurso de esquerda, valorizando as conquistas dos governos petistas e se apresentando como uma continuidade renovada — não como ruptura. Afinal, ele não precisava ser o candidato do PT, apenas ser percebido como alguém comprometido com o mesmo campo político e com a mesma base social.

Pensando em 2030, Ciro ainda teria condições objetivas para disputar a Presidência, afinal, experiência, preparo e histórico não lhe faltam. Mas sua viabilidade dependerá de uma mudança de rumo. Ele precisará, acima de tudo, reconstruir pontes com o eleitorado popular. Isso significa retomar o discurso voltado à assistência social, ao combate à desigualdade e à defesa do trabalhador.

Uma reaproximação com as ideias progressistas também pode ser feita através de um nacionalismo moderno. Ciro poderia propor, por exemplo, o fortalecimento das Forças Armadas por meio de investimentos pesados em programas como o de submarinos, mísseis balísticos e reestruturação da indústria bélica nacional. Atrelado a isso, um ambicioso projeto de retomada do programa espacial brasileiro, com a valorização de cientistas e parcerias internacionais, como com a Índia, daria ao país um horizonte de inovação e soberania tecnológica.

Esse discurso também teria potencial de atrair setores hoje mais próximos do bolsonarismo, como parte dos militares, sem abrir mão da identidade de esquerda. Repatriar cérebros brasileiros, como cientistas que hoje atuam nos Estados Unidos e na Europa, mediante bons salários e infraestrutura adequada, daria um caráter pragmático e ambicioso ao seu projeto.

Para um eventual reposicionamento como alternativa viável no campo progressista nacional, especialmente em um cenário pós-Lula, será necessário Ciro se desvencilhar de alianças que fragilizam sua coerência ideológica. A convivência política com representantes do bolsonarismo, mesmo que localmente, mina sua credibilidade diante do eleitorado que rejeita radicalmente essa corrente. Reatar laços com a esquerda a, necessariamente, por uma depuração dessas alianças e pela reafirmação de compromissos com valores democráticos, sociais e populares que sempre fundamentaram sua trajetória pública.

Mas nada disso será possível sem uma inflexão de tom. Ciro terá de reconhecer os méritos dos governos Lula, itir erros estratégicos próprios e falar menos como ressentido e mais como estadista. Deixar claro que é uma alternativa viável, moderada e racional, com compromisso com o país e com os mais pobres.

Se Lula decidir não disputar em 2026, abrirá uma janela de sucessão incerta. E, mesmo que o petismo lance outro nome, poucos têm a bagagem de Ciro para assumir esse espaço. A questão é se ele terá tempo, e humildade política, para se reposicionar como líder legítimo de um novo ciclo progressista no Brasil.

 

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