Cannes: ‘Alpha’ reúne Aids e Covid em distopia sem esperança

Cannes: ‘Alpha’ reúne Aids e Covid em distopia sem esperança

Segunda mulher a vencer a Palma de Ouro, Julia Ducournau está de volta na competição de Cannes com ‘Alpha’

Quando subiu ao palco do Grande Theatre Lumière em 2021, Julia Ducournau se tornou a segunda mulher a vencer a Palma de Ouro no Festival de Cannes, seguida apenas de Jane Campion, que havia dividido o prêmio em 1993 por ‘O Piano’. Muito distante de um drama convencional ou de época, porém, em ‘Titane’ Julia apresentava uma mulher que tinha atração sexual por carros.

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Os enredos bizarros da diretora já não eram novidade. No seu filme anterior, ‘Voraz’ (2017), uma jovem vegetariana se torna canibal após ser forçada a comer carne e começa, literalmente, a devorar os amigos da escola. Para somar a essa filmografia irreverente, a cineasta sa trouxe ‘Alpha’ ao 78º Festival de Cannes, uma história muito mais sentimental e carinhosa do que se poderia esperar.

Na trama, Alpha é uma garota introspectiva e filha de uma enfermeira. No hospital, a mãe lida diretamente com a UTI cuidando de pacientes infectados por um vírus assustador: o corpo vai petrificando à medida que toma conta do organismo, como se aos poucos fossem se tornando estátuas de mármore. O visual dessa degeneração impressiona, principalmente porque é revelada sem grande cerimônia.

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Numa cena em que entramos no corredor dos internados, vemos ela encarar uma morte inesperada. O aparelho é desligado e libera-se o leito. É impossível olhar para essa imagem e não lembrar dos hospitais abarrotados por todo o Brasil no momento mais crítico de covid-19. No filme, esse vírus está se espalhando rápido e a contaminação assombra toda a cidade.

Alpha e a Palma de Ouro

Quando Alpha chega em casa após uma noite de festas e drogas, sua mãe fica desesperada ao ver um risco rude no seu braço, uma tatuagem grosseira feita na marra. “Quem fez isso? Usou qual agulha?”. A filha não sabe responder. No colégio, os alunos tiram sarro do professor homossexual – mais tarde, Alpha vai descobrir que seu namorado está infectado e definhando rapidamente.

Ao dar muito destaque à fragilidade física do corpo, está claro que Julia também se refere ao momento assombroso do HIV ao redor do mundo. Na escola, pela vaga possibilidade de estar doente, todos se afastam de Alpha e não querem tocar nos objetos com os quais ela tem contato.

Embora essa premissa atrelada a uma fábula meio trajada de ficção científica seja mesmo interessante, também há a sensação de um filme congelado pelas próprias referências. O contexto da Aids soa bastante ultraado e repetitivo, o que enfraquece a discussão sobre algo próprio, distópico e verdadeiramente inventivo.

O núcleo reduzido de personagens também não ajuda a dar substância àquela realidade, e o roteiro entra em círculos com o personagem fascinante de Amin, tio de Alpha. Além de infectado pelo vírus, ele também é entregue ao vício de drogas, chegando diversas vezes perto da morte. A interpretação, pelo menos, é espantosa e hipnotizante – Tahar Rahim pode até terminar a semana com a cobiçada Palma de atuação masculina.

Flertando com o suspense e o sobrenatural, Julia compõe sequências aterrorizantes que ajudam a criar uma mitologia envolvente e fazem com que o filme nunca deixe de ser interessante, apesar dos seus limites. O teto que despenca sobre Alpha num pesadelo ou o desfecho aterrador numa tempestade de areia vermelha que decompõe os corpos que já estavam prestes a desaparecer.

Surpreendentemente, ‘Alpha’ é o seu longa mais comportado. Se por um lado perde o grande susto, por outro, parece trazer Ducournau para mais perto do seu próprio público. As reações da crítica por aqui não foram nada positivas, mas já sabemos que isso raramente significa algo para o júri oficial do Festival de Cannes. Em 2021, a média crítica de ‘Titane’ tinha a nota 1.5 de 4. E veja só... venceu a Palma.

A cobertura do O POVO no 78º Festival de Cannes segue até o dia 24 de maio.

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