‘O Agente Secreto’ faz Cannes mergulhar em Pernambuco com thriller político
Na busca pela Palma de Ouro do 78º Festival de Cannes, Kleber Mendonça Filho cria drama denso com ação, suspense e até viagem no tempo. 'O Agente Secreto' tem Wagner Moura no elenco
Na tarde desse domingo, 18, o Brasil voltou ao centro da discussão de um jeito muito nosso. Na entrada da equipe do filme “O Agente Secreto” pelo tapete vermelho da Grand Theatre Lumiére, a maior sala do Festival de Cannes, um grupo de frevo se apresentou com fervor para as câmeras do mundo inteiro.
Reforçando uma grande sinergia no nordeste brasileiro, o momento até rima com a festa que o elenco de “Motel Destino” fez no ano ado, quando Iago Xavier também dançou no mesmo tapete.
É + que streaming. É arte, cultura e história.
LEIA TAMBÉM | 'O Agente Secreto' é ovacionado por 10 minutos em Cannes
Os ânimos por aqui estavam aflorados não apenas entre os brasileiros, mas também na maioria do público internacional presente porque foram poucos filmes da competição que realmente chamaram atenção nesta primeira semana de Cannes. Nas conversas de corredores, filas e salas, a sensação era de que “ainda não tínhamos assistido à Palma”, em referência a Palma de Ouro, grande prêmio do festival francês.
Ao fim da sessão de “O Agente Secreto”, reações animadas surgiram pela imprensa destacando o vigor de uma obra que consegue ser atraente mesmo com um recorte tão regional. Situada no Recife dos anos 1970, o filme mergulha de forma profunda num ado reconstruído de forma sublime.
Kleber Mendonça Filho e 'O Agente Secreto'
Ao contrário dos filmes de época imóveis e moderados, Kleber foge dos porta-retratos para fazer os cenários nunca soarem apenas como planos de fundo – sequências como a da perseguição frenética no meio da feira ou a da camuflagem em meio ao carnaval de rua, são exemplos elétricos desse tom.
ARTHUR GADELHA | Confira mais notícias e críticas de cinema
Na estética da narrativa surpreende que este não esteja tão atrelado à dramaturgia das obras anteriores do diretor. Longe do barulho de ‘Bacurau’, da jornada egóica de ‘Aquarius’ e da frieza de ‘O Som ao Redor’, este prefere criar tensões a vozes baixas e imerso numa teia muito mais ampla de personagens. Embora Wagner Moura lidere o elenco, a trama renuncia à sua onipresença para soar natural aquele grupo de “refugiados” que criam um laço de apoio.
Alice Carvalho, Isabél Zuaa e Robério Diogenes, principalmente, são as grandes revelações em cena – no caso de Robério, como um delegado cearense, há até um humor peculiar. “Você tem cara de policial”, comenta rindo para um novo funcionário da repartição. Àquela altura, ele ainda não desconfia que Marcelo, na verdade, é Armando, um pesquisador perseguido por forças político-econômicas que está tentando fugir do Brasil em plena ditadura militar.
'O Agente Secreto' ganha a Palma de Ouro?
A primeira hora é tão quieta e contemplativa ao abordar a chegada desse fugitivo secreto que chega a assustar – Kleber estaria fazendo seu primeiro filme sem urgência? Mas ela está lá, acanhada, engatando a os lentos. Perigosamente, o filme tanto demora muito para se revelar a audiência, quanto não tem pudor em esticar suas invenções. A participação de Udo Kier, a cômica sequência de horror ou até mesmo as viagens no tempo – nada disso permaneceria no corte final de um drama tradicional.
Kleber, porém, sabe fugir de alguns lugares-comuns para dar vida a uma trama tão inspirada por uma série de obras de ação policial, tribunal, suspense e drama, mas que é, ao mesmo tempo, tão brasileira. A riqueza dos detalhes cenográficos e da trama investigativa compõe a sensação de uma criação muito nova na filmografia pernambucana. Olha para a memória de uma cidade enquanto vê o presente de todo um país.
Em meio a celebração efusiva por aqui, inevitavelmente, alguns brasileiros começaram a falar em Palma de Ouro. Embora sua discussão soe muito direcionada, permeada de referências indetectáveis para públicos estrangeiros, a robustez de “O Agente Secreto” é universal. Independentemente de ter gostado ou não, acho difícil imaginar que alguém tenha saído daquela sala sem ter a certeza de que esse filme já nasceu como um grande acontecimento.
O 78º Festival de Cinema de Cannes segue até o dia 24 de maio com cobertura exclusiva do O POVO.